Texto de Orlandeli
Genovaldo gosta de vinhos.
Virou uma certa obsessão conhecer rótulos, cepas, blends e discorrer sobre as particularidades que fazem de cada garrafa um tesouro a ser apreciado.
Não é o sabor, é a experiência. Diz Genovaldo, depois de degustar um Cabernet Sauvignon com notas de madeira molhada pelo orvalho em manhãs de primavera na serra gaúcha. Não é a toa que o valor de uma garrafa ultrapassa meio salário mínimo. - É pouco! - Decreta Genovaldo, agora com o nariz na taça, buscando decifrar melhor o bouquet da bebida.
- Húúúm… é complexo. Espera. Não fala! - Mais uma vez invade o bojo com o avantajado nariz. Inspira com vontade buscando alguma conexão entre o odor e as sutilezas da sua memória olfativa. Não encontra nada.
- Tem algo aqui que eu não conheço. É forte, mas, ao mesmo tempo, tem uma certa submissão, um desespero… O que é?
- O senhor deve estar se referindo aos escravos.
- Como?
- Sim, escravos. Sabe, não é fácil ser empresário nesse país, então a gente precisa se virar como dá.
- Interessante. Não sabia que tinha esse lado obscuro no processo de produção. Cria um certo enigma, algo que não pode ser revelado… Bem que senti algo exótico sob o palato.
- Aliás, aproveite. Semana passada descobriram nosso método e perdemos mais de duzentos trabalhadores. Talvez a próxima safra precise ser produzida de forma legal e responsável.
- Será que afetará a qualidade.
- Não posso garantir nada. É novidade pra gente também.
- Quer saber, me separa duas caixas desse. Seguro morreu de velho.
- Ótima escolha.
- Aproveita e embrulha duas peças daquele queijo especial que provei da última vez.
- Aquele com trabalho infantil?
- Isso.
- Perfeito. Fica nove mil e oitocentos reais tudo.
- Me diz uma coisa… Sem nota tem desconto?
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