No dia 09 de julho desse ano eu fui convidado pelo Sesc Bauru a fazer uma atividade muito interessante. Desenhar uma tira em quadrinhos do início ao fim, ao vivo. A ideia era mostrar meu processo de trabalho, comentar a linha de raciocínio na hora de bolar uma narrativa, as ferramentas que utilizo e como utilizo, as questões que surgem pelo caminho e a gente precisa resolver... Foi muito legal. Escolhi desenhar uma tira do O mundo de Yang, uma porque havia começado uma série de tiras com o personagem e que precisei encostar para dar conta da demanda dos projetos A coisa, Depois que eu matei o Libório... enfim. E outra porque eu adoro desenhar o Yang e não iria perder a oportunidade de fazer isso ao vivo. Quem não assistiu ao vivo pode conferir todo o processo pelo Youtube do Sesc Bauru.
Ontem, dia 17 de março, estive no Sesc Rio Preto para realizar a oficina "A Coisa: da concepção à edição impressa", que teve como principal objetivo mostrar o processo envolvido na produção de uma história em quadrinhos, utilizando como referência o meu mais recente trabalho, o livro A Coisa.
A vivência foi gratificante em vários sentidos, uma porque é sempre bom falar sobre quadrinhos, discutir a parte técnica envolvida e o meu jeito pessoal de pensar uma história, outra porque também foi uma oportunidade de, mais uma vez, mergulhar no tema do livro, que trata de sensações e inquietações que fazem parte da vida de qualquer pessoa. Vamos percebendo que nada é absolutamente pessoal, em certa medida todos experimentamos sensações parecidas que ecoam dentro da nossa individualidade. Todos tem o seu próprio jeito de enxergar “A Coisa". Essa é a magia das histórias, sua capacidade de se conectar, mexer e transformar o universo que existe dentro de cada leitor.
O livro A Coisa foi um dos ganhadores do ProAC-SP de 2020, esse encontro fez parte das ações promovidas graças ao apoio do edital.
Obrigado ao Sesc Rio Preto por fornecer as instalações para essa vivência e um agradecimento especial a todos que participaram. Foi ótimo passar esse tempo com vocês.
Nessa quinta-feira, dia 17 de março, Orlandeli fala sobre o processo de criação da história em quadrinhos "A Coisa" no Sesc Rio Preto.
A novela gráfica "A Coisa" é o mais recente trabalho do autor e foi um dos ganhadores do Proac, programa de fomento cultural do estado de São Paulo.
O bate papo procura mostrar as várias fases para a elaboração de uma história em quadrinhos.
O evento é gratuito e começa às 19h30.
Vagas limitadas.
INFORMAÇÕES:
(17) 3216 9300
Saiba mais sobre a história em quadrinhos "A Coisa" conferindo essa entrevista do Orlandeli. ACESSE O LINK.
Última tira da série sobre a comunidade Yuba que fez parte do “Circuito Sesc de Artes”, com iniciativa do Sesc Birigui.
Uma das coisas que mais me fascinou durante o processo de conhecer um pouco mais sobre a Yuba é essa relação com a arte. Uma relação não apenas contemplativa, mas de ser algo realmente fundamental para vida da própria comunidade.
O fundador, Isamu Yuba, desde o início entendeu que a arte deveria estar presente, fez um esforço para trazer artistas para morar na comunidade. Entre eles Hisao Ohara, escultor que viveu na comunidade até falecer, e sua esposa Akiko Ohara, bailarina responsável por iniciar uma fase cultural importante com a construção do Teatro Yuba. Essas apresentações levaram a arte de Yuba para vários cantos do país e até fora dele.
A arte é presente desde cedo na vida dos moradores. Instrumentos musicais, dança, coral, poesia… Fazem parte da comunidade com a mesma naturalidade que instrumentos agrícolas, o cultivo da terra e outras tarefas do dia a dia. Um lugar onde é possível ver um trator e um piano de cauda dividindo espaço no mesmo pavilhão.
A própria arte presente em Yuba acabou servindo de elemento para a construção da HQ. Nas pesquisas acabei descobrindo o trabalho da fotógrafa Lucille Kanzawa, que conheceu Yuba anda criança e decidiu registrar em livro esse olhar. “Yuba" é o resultado de sete anos de documentação fotográfica realizado na comunidade. O primeiro quadro é uma releitura de uma das fotos que achei mais impressionante, traduz em imagem muito do que senti dessa relação da arte que se mistura com a própria vida.
A parte da dança é uma menção a uma apresentação Butô de Yoshito Ohno que aconteceu em Yuba em um reencontro com Akiko Ohara. Por último, uma referência às esculturas em granito de Hisao Ohara, expostas em um jardim ao ar livre.
Foi realmente gratificante participar desse trabalho e conhecer melhor essa comunidade.
Em um mundo cada vez mais acelerado onde tudo é feito de forma prática e sem profundidade, Yuba acaba sendo uma forma de lembrar que viver é sentir, e só sente àquele que se coloca presente diante dos momentos que a vida oferece.
:)
No mês passado o Sesc Birigui me convidou para participar do “Circuito Sesc de Artes”, uma ação que acontece em todas as unidades e apresenta a arte nos mais diversos seguimentos. No meu caso, claro, envolve quadrinhos.
A proposta era jogar um olhar para a comunidade Yuba, localizada no interior paulista, na cidade de Mirandópolis.
Até então eu não sabia bem como era essa comunidade, mas bastou pesquisar uns dois links para entender o motivo do Sesc ter escolhido ela para a homenagem e me empolgar demais com a ideia de participar daquilo.
Yuba é uma comunidade agrícola fundada em 1935 por imigrantes japoneses. O fundador, Isamu Yuba, estabeleceu três pilares fundamentais: Reza, agricultura e arte.
A reza não tem relação direta com uma religião em si, é mais um sentimento de agradecimento e pertencimento. A agricultura não é vista apenas como fonte de renda, o contato com a terra é quase uma filosofia de vida para eles. A relação com a arte é muito bacana. O fundador, desde o início, se preocupou em ter a arte presente no dia a dia da comunidade. Um alimento para a alma, uma forma de cultivar a sensibilidade de enxergar as nuances da vida.
Minha tarefa era simples, sintetizar três momentos da comunidade no formato de tiras:
O começo;
A relação com a agricultura;
A relação com a arte.
De cara pensei em uma linha mais poética, algo parecido com um “(SIC)”, explorar os elementos narrativos, mesmo em um espaço muito pequeno.
A primeira tira, a do início da comunidade, já carreguei na poesia. Na minha ótica inicial e de acordo com tudo que li, me marcou a preservação de valores japoneses dentro da comunidade. A língua oficial da comunidade é o japonês, as crianças só aprendem português para valer depois que entram na fase escolar. Tem uma biblioteca com milhares de títulos em japonês… Fiz então algo remetendo a essa simbologia.
A tira brinca com a figura de linguagem, mostra que depois que Isamu saiu do Japão, o Japão cresceu dentro dele… Saindo em forma de comunidade. Gostei demais do resultado. Porém, ela acabou não sendo aprovada.
Ao apresentar a HQ ao pessoal da comunidade a resposta veio em forma de estranhamento. Algo não encaixava, sentia que a própria comunidade não se via muito ali naquela narrativa.
Tentei entender porque uma comunidade que tem a língua japonesa como oficial estranhou essa relação. Aí resolvi me aproximar mais, ouvir o que eles tinham para falar. Existe, de fato, uma simbologia forte com o Japão, mas talvez não fosse o que chamamos de "ponto chave" das motivações do fundador e de como a comunidade se enxerga. Uma frase de um dos moradores ficou na minha cabeça “O fundador saiu do Japão em busca de um sonho, fundar uma comunidade agrícola com base nas ideias de Tolstói”.
Confesso que, até então, via Tolstói mais como romancista russo mesmo, não como um ideário de comunidade. Pesquisei um pouco mais e fiquei sabendo sobre as escolas agrícolas fundadas por Tolstói. Um modelo de aprendizado que difundia um pensamento libertário. A participação devia ser espontânea, livre de coerção e valorizando os saberes individuais e seus interesses. Além de noções de uma comunidade com pensamento livre, igualitária e que questiona a ideia de propriedade privada.
Tolstói abandonou a igreja ortodoxa por considerar contraditório aquilo que se prega e aquilo que se faz. Considerava os camponeses a classe que mais se aproximava de Deus. Alguns estudiosos classificavam seu pensamento como anarquista, o que ele não gostava muito, pois achava que remetia à violência (mas também não refutava), ele preferia classificar esse modo de vida como a de um “Cristão Literal”.
Vi muito sentido nisso tudo ao pensar em Yuba. Até a questão da reza sem o apego a uma religião específica parecia se encaixar. Percebi um sentimento de valorização, orgulho e gratidão perante a comunidade. Até entrei na questão político social, se eles se viam enquadrados em algum modelo específico ou coisa assim, mas a verdade é que não me pareceu se importarem muito com isso. Nas palavras de um dos moradores:
"Acordar cedo, trabalhar ou estudar, almoçar e jantar todos juntos. De noite, cada dia da semana tem uma atividade (coral, dança, poesia etc). Domingo é dia de descansar e fazer o que quiser. Se isso é libertário ou não...a maioria não pensa nisso”.
Depois disso tudo achei que valeria muito a pena jogar esse outro olhar na primeira tira. Entendi que o Japão é, sim, uma referência forte ali dentro, mas o sentimento de pertencimento à comunidade, o pensamento coletivo, livre do peso da escalada pelo status social, a auto sustentação (90% do que é consumido é produzido lá mesmo) , são valores tão importantes quanto suas raízes no oriente.
Uma experiência muito enriquecedora. Mesmo gostando muito da primeira tira, e ainda achando que ela simboliza bem o sentimento de preservar parte da cultura japonesa dentro da comunidade, também fiquei muito contente com a vivência proporcionada pela troca de informações para entender melhor como a própria comunidade se vê. Uma das minhas preocupações era fazer um trabalho honesto com esses sentimentos. Gostei bastante da nova versão.
Diante desse exercício de escuta, um momento muito gratificante foi quando Isamu, representante da comunidade com quem eu mais troquei informações, me repassou a seguinte mensagem de um dos moradoras de Yuba:
"すばらしいねこのilustradorさんの人の話に向き合う姿勢には感動した
Diz que está emocionado pela postura que você teve para nos ouvir e chegar até aqui.”
Agradeço a Bárbara, do Sesc Birigui, pela confiança e pela oportunidade de vivenciar esse processo e a todos da comunidade Yuba, em especial o Isamu, pela paciência e rica troca de experiências.
As tiras serão publicadas nos dias 13, 14 e 15 de setembro de 2021 no Instagram do Sesc Birigui @sescbirigui.
Segue tira oficial, publicada no perfil do Sesc Birigui.
Depois comentarei o processo das outras duas por aqui também. :)