Meu pai adorava futebol. São-paulino ferrenho, era daqueles que levava radinho de pilha no estádio, organizando um pequeno espetáculo áudio-visual particular a cada partida.
Torcedor típico, discutia semanalmente a pauta futebolística nas mesas redondas não oficiais dos botecos da vida. Até hoje não entendo direito o que fez ele abrir mão da principal tradição do esporte bretão em nosso país, a missão de fazer o filho torcer para o mesmo time do pai.
O torcedor, realmente, leva isso à sério. É tão explícito que vale até usar de artifícios pouco lícitos.
Como no caso de um amigo que, diante da forte campanha da família da esposa em convencer o herdeiro que sair abraçado com um monte de gente e ficar gritando “AQUI TEM UM BANDO DE LOUCO…” seria uma ideia interessante, não teve dúvidas; chamou o garoto de canto e ofereceu uma bicicleta novinha, bastava torcer para o São Paulo. Funcionou.
Um colega de redação resolveu se antecipar ainda mais. Esposa grávida, quando perguntado se já sabia o sexo da criança que estava por vir, foi categórico:
— Ainda não, por enquanto sabemos apenas que é santista.
Essa é a energia da coisa. Passar o “manto sagrado” adiante é uma missão.
Mas, na época, não foi dessa forma que meu pai enxergou.
E olha que nem estava assim tão difícil. Minha mãe não liga para futebol, a concorrência ficava restrita a campanhas frágeis e sem fôlego de um ou outro tio. Com três filhos homens (minha irmã viria só depois) era só não dar bobeira que, facilmente, uma pequena torcida organizada tricolor se formaria no fundo do quintal de casa.
Mas eis que um dia minha mãe apareceu com três camisetas, uma de cada time: São Paulo, Santos e Corinthians. Para a minha mãe era tudo a mesma coisa. Meu pai, num lapso de sentimento democrático e doutrinação zero, não se importou. Cada um que ficasse com a que gostou mais. Diz a lenda que, anos depois, esse sentimento democrático ele mesmo classificou como “deu bobeira”.
O resultado, claro: Meu irmão que pegou a do São Paulo, é são-paulino roxo; o que pegou a do Santos, é santista roxo; e eu, que peguei a do Corinthians… não ligo pra futebol.
Pois é, não entendo lhufas. Nunca consegui gostar. A única vez que coloquei uma camisa de time e fui para a avenida comemorar a conquista do campeonato foi para tentar me aproximar de uma garota. Na época eu era uma espécie de “são-paulino não praticante”, ou algo assim. Corinthians campeão. Não tive dúvidas, coloquei a camiseta alvinegra, enfiei um capacete na cabeça e saí buzinando e gritando “Timãããão” pela avenida. Tudo isso só para ter a garota corinthiana na garupa da moto. Não me orgulho, mas também não me arrependo.
Não gostar de futebol no país do futebol tem seus problemas. É um assunto coringa, que une completos desconhecidos. A única pergunta que alguém que você nunca viu na vida faz sem qualquer hesitação é “Quanto ficou o jogo?”.
Funciona como um sinal de aproximação. A pessoa está afim de conversar, não te conhece direito e joga a frase como sinal de cordialidade, mostra que foi com a sua cara.
Esbanjando a inocência dos mais novos, já caí na besteira de responder com um “Que jogo?”
Acredite. Encerra-se ali a relação de respeito. Alguns até se irritam, achando que você está de sacanagem.
Não existe falha maior no mundo do futebol do que não saber QUAL É O JOGO da pergunta “QUANTO FICOU O JOGO?”.
Hoje, mais maduro, me limito a responder um “Ixe… Sei não.
Meu filho também não gostava de futebol. E nem foi por interferência direta minha, não. De certa forma eu acho até bonito a emoção estampada no rosto do torcedor depois de um gol improvável aos quarenta e cinco do segundo tempo. É um troço genuíno.
Já que não tinha muito a ver EU passar essa coisa de “manto sagrado” pra ele, deixei a tarefa para meu pai e meus irmãos mostrarem esse lado da cultura brasileira que, pra mim, nunca fez muito sentido.
Com avô, tio e tia são-paulinos… o tio santista não teve a menor chance. Quando pequeno usava a camisa do São Paulo nos domingos de churrasco e rodada decisiva. Parecia que tudo estava resolvido. Mas foi crescer um pouquinho para ficar claro que ele também não dava a mínima. A verdade é que a trupe tricolor lá de casa também fracassou miseravelmente na missão de passar o “manto sagrado”.
É algo que, simplesmente, nunca funcionou com a gente.
Lembro de uma propaganda na televisão, acho que era por causa da copa, onde a chamada era “IMAGINE UM MUNDO SEM FUTEBOL”, aí apareciam várias cenas com gente desmotivada, sem graça… Uma tristeza. Ian virou pra mim e disse:
— Pra gente não ia mudar nada. Né, pai?! — Ele sempre terminava com esse “né, pai”.
Caí na gargalhada. Brincamos um pouco sobre a nossa assumida falta de interesse no assunto e depois começamos uma brincadeira de coisas aleatórias que REALMENTE fariam falta em nossas vidas, caso nunca tivessem existido.
Gibi. Puts, não ia dar pra viver num mundo sem gibi. O Senhor dos Anéis, com certeza também merecia um lugar de destaque ao lado das coisas que deixavam o nosso mundo um pouco melhor.
A lista foi aumentando: Harry Potter, a trilogia De volta para o futuro, Matrix, mas só o primeiro, os outros nem tanto. O incrível mundo de Gumball, Hora de Aventura, Apenas um Show, Totoro, Dragon Ball. Não podia esquecer os Games, claro
Até a CCXP entrou na lista de coisas que deixariam o nosso mundo um pouco menor se nunca tivessem existido.
Um infinidade de coisas. Compartilhávamos do mesmo universo. O mundo das histórias, da fantasia, da leitura e da imaginação. Esse era o nosso “manto sagrado”.
Nunca senti a emoção de levar meu filho para ver uma final de campeonato com estádio lotado e vibrar com a galera enlouquecida, mas fomos juntos conhecer pessoalmente, sentar na mesa e ficar uma hora batendo papo com o criador da Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali. Vou te contar… Até o Maracanã ficou pequeno.
Haaaaaaja coração!
PS: A corinthiana da garupa também estava lá. ;)
(PALAVRAS CHAVE: nerd - futebol - maurício de sousa - pai - filho - manto sagrado - torcida - camiseta - time - ccxp
Este texto foi originalmente publicado na newsletter Entre uma coisa e outra
Todo mundo que já perdeu alguém muito querido já deve ter desejado a oportunidade de mais um encontro. Mais uma conversa, mais um abraço, mais uma aventura... Puts… Daria tudo por mais uma aventura.
É um desejo bem ingrato. Não tem meritocracia de herdeiro ou palestra de Coach ensinando a mente vibrar no positivo que seja capaz de fazer você “chegar lá” e atingir seus objetivos. Para algumas crenças esse encontro até é possível, mas aí para “chegar lá” tem que passar para o “lado de lá”, o que torna a coisa um pouco mais complicada.
Na verdade, o mais próximo que a gente pode chegar desse encontro é através do sonho. O sonho tem aquela coisa quase líquida, de imagens se misturando, saltos temporais, experiências surreais que nadam de braçada no realismo fantástico. Vai desde o poder de voar até os dentes se desprendendo da boca sem muita explicação. Mesmo nesse cenário com alto potencial para o irreal, o sonho com alguém que já se foi é um encontro magnífico. A presença é completa. Se tiver a sorte de ser um bom sonho, então… Aí é um presente dos céus.
É realmente incrível a capacidade do sonhar em acessar aquilo que você julgava perdido. Me dei conta disso no dia (na noite, aliás) em que pude sentir o CHEIRO do cabelo do meu filho, Ian. Não só o cheiro. Tava tudo ali. Tinha a textura, ele deslizando em meus dedos… Acordei maravilhado.
Me senti afortunado e agradecido por Morpheus ter proporcionado um encontro com essa intensidade.
Lembrei de tudo isso porque, recentemente, vi a internet se emocionar com outro encontro, o da cantora Maria Rita com sua mãe, Elis Regina, que faleceu em 19 de janeiro de 1982.
O acontecimento foi promovido pela IA e pela Publicidade. Ambas cantoras, sendo a mãe um ícone da música popular brasileira, parecia uma boa ideia colocar as duas para fazer um dueto. O mundo publicitário às vezes tem uma percepção meio estranha do que é “uma boa ideia”.
Sei lá… Elis Regina, e tudo o que ela representa, fica tanto tempo afastada dos nossos olhos e quando volta é para vender Kombi ao lado da filha.
A peça publicitária em si, se escora muito mais na promessa do encontro do que na entrega desse encontro. Embora não faltem elogios ao poder da AI em se aproximar daquilo que é real, a sensação que tive ao ver a Elis da propaganda é a mesma de ver uma boneca da Xuxa. A artificialidade grita. O que, por um lado, é até bom. Se a representação fosse absolutamente fiel, penso que acharia ainda mais estranho.
Cantar ao lado da mãe falecida em uma peça publicitária não é um encontro de almas, mas um encontro de contratos. Suspeito até que nem teve sessão espírita pedindo autorização de uma das partes.
A capacidade da AI em reproduzir sons e imagens é realmente incrível, mas está muito longe de conseguir preencher lacunas de emoção.
Os grandes encontros acontecem na intimidade. Não fazem barulho do lado de fora, mas explodem do lado de dentro.
Sem julgar se Maria Rita deveria ou não produzir a propaganda, porque isso é uma decisão absolutamente dela, a questão aqui é a falsa percepção do que, realmente, seria um encontro de mãe e filha separadas pela impermanência das coisas.
Coitada. A AI sequer chegou perto. Haja verba de divulgação para convencer o público que tinha algo emocionante ali.
Se for para concretizar encontros improváveis, entre uma IA que tenta se aproximar do real através de imagens em alta definição e algoritmos que decodificam matematicamente formas, trejeitos e sons; prefiro continuar com o mundo líquido e insubstancial do sonhar.
Duvido que a Maria Rita sentiu o cheiro do cabelo da Elis.
(assuntos: Elis Regina - Inteligência Artificial - Maria Rita - morte - espiritismo - sonhos - memórias - encontro - orlandeli)
Texto extraído da newsletter ENTRE UMA COISA E OUTRA
"O mundo de Yang" começou como tira, a cada semana eu desenhava uma história fechada que era publicada aos domingos nas páginas do Diário da Região e no site oficial que eu planejei especialmente para a série.
Mesmo tendo um arco maior planejado, o roteiro final era definido semana a semana. De certa forma o Yang acabou virando uma espécie de “diário de percepções e emoções” do que eu via e sentia no momento.
Quem já leu o primeiro número vai lembrar de um personagem chamado MIGOU. Em um primeiro momento, Migou seria apenas uma representação do medo, porém, naquela época, já começava a acontecer um movimento de polarização dentro e fora do país..
Um discurso extremista, armamentista, intolerante e preconceituoso começava a circular livremente com ares de razão inquestionável. Parecia que uma “onda de ódio” avançava com força sobre aquilo que a gente costuma chamar de humanidade.
Isso acabou afetando a forma como enxergava o personagem. Lembrando de outros momentos na história, em que o mundo também parecia se perder na própria sombra, imaginei Migou como uma entidade que se aproveita do desequilíbrio no universo e instala o medo no lugar mais escuro da sua alma, gerando uma onda de irracionalidade.
Migou surgiu assim. Da observação dessa “onda”, que continuou crescendo desde então.
Parecia explicar bem porque, de uma hora para outra, a ignorância ganhava ares de virtude.
Discursos de ódio e intolerância não só aumentaram como ganharam destaque em espaços de poder.
O palavrão virou ativo. Para vender bem um livro bastava colocar um FODA-SE na capa. O negócio é ser agressivo, ensina o coaching bombado.
Deixa de ser fresco, porra. Para de mimimi, porra. Vira homem, porra. Não sou aquele seu professor maconheiro, porra. Não sou coveiro, porra! Não deixa te fazer de otário. É campari, não é cerveja, porra. Não uso xupeta, uso revólver, porra. SEEELVAAAAA!
Agressividade por todos os cantos.
Agora, hoje cedo, vejo a notícia que alguém invadiu uma escola infantil com uma machadinha e mutilou a vida, não apenas das crianças, mas de todos, TODOS os que fizeram parte da vida delas. Faz poucos dias um garoto matou uma professora. Nos últimos meses, vários outros casos parecidos.
A onda parece não ter fim.
Se o Migou tem algo a ver com isso, eu não sei.
De qualquer forma, preste mais atenção na sua agressividade e na forma como ela ecoa pelo mundo.
Isso não é sinal de força, é sinal de ignorância.
Não aumente a onda.
#migou #santacatarina #escola #crianças #assassinato #machadinha #violência #agressividade #ignorância #orlandeli #omundodeyang
Texto de Orlandeli
Genovaldo gosta de vinhos.
Virou uma certa obsessão conhecer rótulos, cepas, blends e discorrer sobre as particularidades que fazem de cada garrafa um tesouro a ser apreciado.
Não é o sabor, é a experiência. Diz Genovaldo, depois de degustar um Cabernet Sauvignon com notas de madeira molhada pelo orvalho em manhãs de primavera na serra gaúcha. Não é a toa que o valor de uma garrafa ultrapassa meio salário mínimo. - É pouco! - Decreta Genovaldo, agora com o nariz na taça, buscando decifrar melhor o bouquet da bebida.
- Húúúm… é complexo. Espera. Não fala! - Mais uma vez invade o bojo com o avantajado nariz. Inspira com vontade buscando alguma conexão entre o odor e as sutilezas da sua memória olfativa. Não encontra nada.
- Tem algo aqui que eu não conheço. É forte, mas, ao mesmo tempo, tem uma certa submissão, um desespero… O que é?
- O senhor deve estar se referindo aos escravos.
- Como?
- Sim, escravos. Sabe, não é fácil ser empresário nesse país, então a gente precisa se virar como dá.
- Interessante. Não sabia que tinha esse lado obscuro no processo de produção. Cria um certo enigma, algo que não pode ser revelado… Bem que senti algo exótico sob o palato.
- Aliás, aproveite. Semana passada descobriram nosso método e perdemos mais de duzentos trabalhadores. Talvez a próxima safra precise ser produzida de forma legal e responsável.
- Será que afetará a qualidade.
- Não posso garantir nada. É novidade pra gente também.
- Quer saber, me separa duas caixas desse. Seguro morreu de velho.
- Ótima escolha.
- Aproveita e embrulha duas peças daquele queijo especial que provei da última vez.
- Aquele com trabalho infantil?
- Isso.
- Perfeito. Fica nove mil e oitocentos reais tudo.
- Me diz uma coisa… Sem nota tem desconto?
#vinho #trabalho #escravo #abuso #trabalhador #vinícola #orlandeli
Ontem, 25 de agosto, foi a abertura da exposição “Entre uma coisa e outra - a narrativa introspectiva de Orlandeli” lá no Rio Preto Shopping.
Junto com a abertura aconteceu uma noite de autógrafos, depois de tanto tempo sem lançamentos presenciais, foi muito gratificante poder receber o olhar e o carinho de amigos e leitores. Obrigado a todos que compareceram nessa noite memorável.
O título da exposição faz referência ao livro, A Coisa, uma espécie de sentimento, uma sensação perturbadora, personificada na figura de uma criatura estranha que passa a perseguir Astolfo, um personagem que acaba de receber uma triste notícia.
Assim como no caso de Astolfo, o acaso pode bater na porta de qualquer um. Essas “coisas" aparecem das mas diferentes formas, pelos mais diversos motivos. Todos, em algum momento, acabam tendo que lidar com a sua presença, “é difícil passar pela vida sem ver “a coisa”.
Temas como luto, fé, impermanência, gratidão, desapego, inquietação, pluralidade, injustiça e esperança percorrem os quadros de suas histórias de forma despretensiosa, fazendo um convite à reflexão.
São 24 painéis que fazem um recorte de alguns desses momentos de introspeção presente em obras como: O mundo de Yang, Os olhos de Barthô, Chico Bento - Arvorada, Chico Bento - Verdade e A Coisa.
A exposição vai até dia 02 de setembro.
As fotos são de Ricardo Boni @bonipeixe
Não é novidade pra ninguém que já leu algum livro da série O mundo de Yang que ela é recheada de referências e simbologias sobre a cultura oriental, entre outras coisas.
A proposta nunca foi ser um “manual” para ensinar isso ou aquilo, mas usar parte dessa conteúdo como "gatilho" para ilustrar pensamentos e reflexões que fazem parte da história. Uma espécie de metáfora que que ajuda a expressar o raciocínio do que está sendo dito.
Desde a última edição, O mundo de Yang - Dois Cortes, eu resolvi escancarar um pouco mais isso e compartilhar com o leitor algumas curiosidades sobre a história que ele acabou de ler e sobre a série.
A seção “Reverberações” serve exatamente para isso, comento um pouco de como a história surgiu, os caminhos que ela tomou, elementos que aparecem e porque estão ali. Um deles são as “facas gêmeas” PA CHAN TOU. Desenho o Yang com elas desde o início, mas é a primeira vez que elas aparecem em uma história. São armas características com um estilo de kung fu chamado Wing Chun. Esse estilo tem raiz budista, além do uso como ferramenta de luta, a simbologia que elas representam acabam contribuindo bastante com a evolução do Yang na história.
Tem também o novo personagem, mestre Tay. A aparição dele é bem curiosa também e o visual é inspirado no “Tay” daqui de casa rsrsrs
Já estamos preparando mais curiosidades para o próximo número. Aguarde.
Conheça a série O mundo de Yang. Os livros você encontra em:
Alguns artistas passam a vida correndo na frente. Saem em disparada e o resto que lute para tentar, pelo menos, não perder eles de vista. São a referência, aqueles que ditam o caminho de quem vem atrás. Angeli é um desses. Sinceramente, não tivesse conhecido a Chiclete com Banana lá nos anos oitenta eu nem sei se estaria aqui fazendo o que faço hoje. Aquilo me contaminou de uma forma tão intensa que, de uma hora para outra, ler já não era mais suficiente, queria fazer parte daquilo. Criava histórias em um caderno, que eram lidas por amigos de escola, de mão em mão. Não pensava em sucesso, conquistar isso ou aquilo… Só queria fazer parte daquele grupo de pessoas que contam histórias em quadrinhos.
Não demorou e, aí sim, comecei a publicar profissionalmente. Fazia tiras para um jornal. Humor de comportamento, claro. Igual a que lia na Chiclete. Desconhecendo qualquer fundamento técnico ou coisa do tipo para saber se o que eu fazia era bom, estabeleci um critério pessoal de avaliação. Perguntava pra mim mesmo:
- Daria para publicar na Chiclete com Banana?
Algumas vezes achava a tira boba demais (não era digna da Chiclete), aí tentava e tentava… Até chegar em algo minimamente razoável e que eu conseguia, pelo menos em meus sonhos, ver ocupando espaço nas páginas da revista. O critério funcionou, já que publiquei a tira durante mais de vinte anos.
Quando comecei a fazer charges não foi diferente. Angeli colecionou dezenas de troféus como melhor chargista, e não é por menos. Ele é simplesmente genial (nisso também). Fazia o tipo de charge que não se presta ao ridículo de ser só engraçadinha. Porém, também não se limitava a crítica pela crítica. Tinha sempre uma sacada inteligente, um desenho matador…Muitas vezes eu lia uma notícia e surgia uma piadinha óbvia na cabeça. Fazia o esboço, olhava o conjunto... Tudo certinho e engraçadinho. Certeza que o editor iria aprovar e os leitores iriam rir… Aí lembrava das charges do Angeli. Dava até um pouco de vergonha. Como se um pequeno Angeli começasse a falar na minha cabeça:
- É isso mesmo? Sem crítica, sem porrada… O cara é um fila da puta e você vai publicar só uma piadinha besta sobre o assunto?
Já descartei várias ideias por conta disso. Me obrigava a espremer a cabeça e ver se conseguia cavar mais fundo. Nem sempre saia algo muito melhor que a piadinha, mas em outras valeu demais a pena.Aí vieram os quadrinhos. Eu, com meu traço cartunesco, precisava acertar o meu desenho para histórias mais longas. Só fazia bonequinho narigudo, não servia para o que tinha em mente. Aí, mais uma vez, vem o Angeli. Que também é da casta dos fazedores de bonecos narigudos, mas desenvolveu um traço sujo, cômico e, ao mesmo tempo, dramático. Foi, de novo, uma das minhas principais referências gráficas. “Como o Angeli desenharia isso?” era uma pergunta recorrente.
A essa altura do campeonato o pequeno Angeli que mora na minha cabeça já era quase um editor pessoal. Não perdoava.
- Tudo isso é medo? Deixa de ser bundão. Bota pra foder nesse negócio aí, pô!
E lá ia eu tentar cavar um pouco mais, chegar um pouco mais longe na solução gráfica, na ideia, na narrativa…
Hoje fiquei sabendo que o Angeli encerrou sua carreira de cartunista por conta de uma doença. Afasia. A mesma do Bruce Willis. Foda!Mesmo o Angeli tendo feito pelo quadrinho nacional mais do que 90% de todos os quadrinistas juntos, mesmo se a gente viver até os noventa e com a saúde intacta, não deixa de ser uma notícia triste.
Obrigado, Angeli.
Todos nós desenhamos e criamos um pouco melhor só por ter você sempre na nossa frente.
EU MATEI O LIBÓRIO
Orlandeli
Vocês já sentiram vontade de matar alguém? Não, não estou falando no sentido figurativo da coisa, tipo "Ahaaaa, eu mato esse moleque". Quando falo matar, eu quero dizer MATAR mesmo, entende?
Pois bem, EU MATEI O LIBÓRIO!
Não, não é que eu seja louco, psicopata ou algo assim. Foi uma escolha pensada. Cheguei à conclusão que minha vida melhoraria horrores se o Libório batesse as botas. E melhoraria mesmo. Eu não me arrependo. Era praticamente uma necessidade. Sabe? Daquelas indispensáveis para se viver relativamente bem. Coisinhas simples como: dormir, comer, beber, defecar, fazer sexo e, no meu caso, matar o Libório.
Vocês devem estar se perguntando:, "mMas não dava pra simplesmente ignorar esse tal de Libório e viver em paz?" Gente… cês não conhecem o Libório, acreditem.
Minha história com o Libório não é de hoje. Conheço ele desde os oito anos de idade, quando estudamos juntos no colégio Sta. Edwiges. A partir daí, freqüentamos frequentamos a mesma classe até o final do segundo grau.
O Libório é o que podemos definir como "gabarito da conduta humana exemplar". É o tipo de pessoa que faz tudo perfeito, nos mínimos detalhes. Desde pequeno, sempre foi o melhor aluno da sala, ganhou medalhinha de desenho mais bonito no dia Dia da bandeiraBandeira, era quem o professor escolhia para ler os textos de português, letra redondinha, parecia de menina. Nunca perdeu um dia de aula. Vivia se oferecendo pra ajudar a professora a carregar o material, buscava o apagador na outra sala… Enfim, o filho que toda mãe gostaria de ter.
Agora imagina imagine EU, que vivia com a mão esfolada de tanto pular o muro da escola pra jogar bola no campinho, o máximo que fazia em termos de leitura era ver o horóscopo no jornalzinho do bairro, e mesmo assim, só em casos delicados, de decisão extremamente importante, tipo "convido ou não convido a vizinha pra sair comigo?".
Pois bem, de um lado a obra de arte, do outro, o rascunho. A comparação era inevitável.
Pra piorar as coisas, minha mãe acabou amiga da mãe do Libório. Acho que foi umas das piores fases da minha vida. Era um tal de "O Libório não perde uma missa"; "O Libório fechou em todas matérias"; "O Libório passou em primeiro", etc., etc., etc…
Bom, a infância toda foi esse martírio. Meu consolo era que não estaríamos na mesma faculdade. Ele foi estudar em uma universidade estadual (passou em primeiro, lógico). Eu fui para o curso de administraçãoAdministração. Fiquei pra segunda chamada numa faculdadezinha particular, lá da minha cidade mesmo. Mesmo assim, estava feliz. Afinal, acabaria aquela cobrança. Estávamos em faculdades diferentes, em cursos diferentes. Parecia, enfim, que o tormento tinha acabado. Mesmo porque os alunos da minha sala eram piores do que eu.
A coisa estava indo tão bem que me apaixonei por uma garota. Nós nos conhecemos próximo ao final do ano, acho que meados de novembro. A coisa rolou legal e, no natalNatal, fui conhecer a família dela. Levei até um presentinho pra futura sogra. Afinal, a boa impressão é a que fica.
Fui levando a minha nova vida, mais satisfeito, impossível. Teve um dia que fiquei entre as dez melhores notas da sala. Tirei 6.,5. Aquilo era a glória.
Quando entro na sala, quem é que está sentado no sofazão? Hein? Hein?… Isso mesmo! Libório!
Não é que o maldito namorava justamente a irmã da minha namorada, parece coisa de cinema.
Bom… é até covardia dizer de qual presente a sogra gostou mais: o meu uma cestinha com um sabonete líquido e uma colônia pós pós-banho, e o tradicional: "É só uma lembrancinha, viu Dona Maria"; o do Libório, um relógio de ouro, último modelo. Brilhava tanto que parecia ter luz própria. Dava a impressão que cegaria a gente: "Isso é o mínimo que eu poderia oferecer a uma pessoa tão importante. Feliz Natal, Maria".
Maria, cês acreditam?? ?! Ele chamava a sogra de Maria, assim… sem o "Dona" na frente nem nada. Pô, aquilo acabou com anos e anos de educação tradicional que aprendi com meu pai, minha mãe e minha avó. Sempre achei que o "Dona" era uma coisa legal, educada… mas os olhos da mulher brilhavam cada vez que ele falava "Maria" assim… a seco. Era só falar um "Olá, Maria" que a Don…-- – opsOps!! – que a Maria rejuvenescia uns trinta anos.
Bom, voltando ao assunto, mais uma vez o Libório estava ali, do meu lado, marcando presença pra perturbar minha vida. Cada data comemorativa era uma angústia: Páscoa: "Gente, onde ele achou um ovo desse tamanho?"; Dia dos namorados, : "Olha, o Libório fez serenata"; Aniversário da Don..-- – opsOps!! – da Maria,: "Maria, hoje eu faço o almoço, e nem pense em tocar naquela louça". A coisa estava ficando insuportável.
Foi, então, que tracei um objetivo: "Não importa o quanto eu gaste, no próximo natal Natal vou impressionar mais do que o Libório".
Juntei todo meu dinheiro, peguei o décimo terceiro, vendi algumas coisas que tinha. Afinal, com o Libório era bom não arriscar.
Chegou a grande noite, parei a camionete em frente da casa e fiquei buzinando. Já que era pra impressionar, então que fizesse serviço completo. O pessoal saiu e comecei a distribuição, eu com um gorro de Papai Noel na cabeça e um charuto cubano na boca. Para a sogra, dei um colar de brilhantes, coisa mais linda… e cara também. Lembro que quando entreguei o colar os joelhos ameaçaram dar uma dobrada. Afinal, não estava acostumado a investir tanto dinheiro só pra fazer um agrado. Era aceitável que, ao entregar o presente, o corpo sofresse alguma reação, só não sabia que seria nos joelhos. Mas me mantive ali, firme! Afinal, era por uma boa causa. Pro sogro, entreguei um motor de popa, sabe, daqueles que se coloca no barco pra pescar. Puxa! Dava pra ver a alegria nos olhos dele… mais uma vez os joelhos quase me deixaram na mão, foi por pouco. Pra Márcia, minha namorada, comprei um guarda-roupa completo, vestidos, sapatos, jóiasjoias, tudo do bom e do melhor. Dessa vez, os joelhos não agüentaramaguentaram. Não fosse eu estar encostado no pilar da varanda, juro que tinha me esborrachado no chão. Pra minha cunhada, dei uma coisinha boba. Também, quem mandou namorar o Libório.
Bom, feita a distribuição notei que o Libório ainda não estava presente. Era até bom. Queria ver a cara dele quando desse de cara com aquele mundaréu de coisas. A minha vingança estava próxima. Eu merecia essa vingança, aliás, eu COMPREI essa vingança! Tudo dividido em 24 vezes fora a entrada, com juros d… -- – Ops!!! –… preciso ir ao médico ver esse joelho.
Eu estava me divertindo com meus pensamentos, quando percebi uma luz forte surgindo logo na esquina. Qual a minha surpresa quando vejo um enorme carro alegórico com vaquinhas, reis magos, menino Jesus e tudo que um presépio tem direito, parando bem em frente da casa da Don…-- – Ops!!! – da casa da Maria!
Era de cair o queixo: atores, todos vestidos a caráter formando um presépio vivo.
Quando nada podia parecer pior, olho pra cima e o que vejo? Tava lá, vestido de anjo Gabriel, pendurado por um cabo de aço, asas presas nas costas e tocando "noite Noite feliz" numa harpa. Libório.
Começou a recitar várias coisas, entre elas que o verdadeiro espírito do natal Natal precisava ser lembrado, que o amor é mais importante do que qualquer presente, que o importante era celebrar o nascimento do menino Jesus, e não ficar trocando bens materiais. Só me lembro até essa parte. Perdi os sentidos poucos segundos depois que a Don… -- – opsOps!! – que a Maria jogou o colar de brilhantes no lixo e foi correndo, aos prantos, abraçar o "anjo mensageiro". Fiquei meio bobo por um tempo. Só voltei ao normal quando ouvi o estouro de uma garrafa de champagne. Isso foi no ano Ano-nNovo!
Depois disso, decidi que não dava pra competir. Confesso, entreguei os pontos. Precisava ficar longe do Libório. A minha felicidade dependia disso. No mesmo ano, resolvi casar com a Márcia. Inventei uma desculpa qualquer. Falei que tinha uma ótima proposta de emprego numa cidade a uns mil quilômetros de onde eu morava. Era minha única chance de encontrar a paz merecida e insistentemente renegada.
Assim aconteceu. Mudamos para uma cidadezinha do interior, longe de tudo e de todos. Sempre dando prioridade à minha sanidade mental, consegui evitar todos os encontros possíveis, natalNatal, dia Dia das mãesMães… virei especialista em inventar desculpas. Era tudo por telefone, internet ou correioCorreios. Tudo pra não ter que disputar o mesmo espaço físico com aquele que chamam de "menino de ouro".
Vivi no paraíso por cinco anos, até que minha esposa chegou com a notícia:
– Sabe quem vai ser o nosso vizinho?
Me deu um frio na barriga. Minha cabeça borbulhava. Tentei apelar para o pensamento positivo:
– Bin Laden? Jack Estripador? Darth Vader?…
– Não, o Libório e a Zilda. Não é maravilhoso?
Dizem que a dor do parto é a pior dor que uma pessoa pode sentir. Acreditem… o que eu senti no meu estômago aquele dia é mil vezes pior. Parecia que tudo estava dando um nó… retorcendo… virando do avesso. Era pior do que qualquer pesadelo. Dava até pra imaginar, domingo de manhã, e o desgraçado lá, consertando a cerca, pintando a parede, aparando a grama, fazendo compras… e tudo mais que um homem normal detesta fazer.
Dito e feito, em menos de um mês, a minha vida tinha virado um inferno. Coisas como "Oi, benzinho"; "Tá cansado, môr?", que entravam suavemente pelo meu ouvido. Deram lugar para: " O Libório sim que é marido…"; " Olha lá, o Libório vai ao mercado com a Zilda…"; "Você é um imprestável mesmo. Ainda bem que o Libório veio aqui e deu um jeito nessa calha…".
Um mês, UM MÊS e a coisa tinha atingido um estágio insuportável. Foi quando tomei a decisão: VOU MATAR O LIBÓRIO!!
Era a única maneira de eu viver em paz, vocês entendem? Mesmo que eu fosse preso, qualquer tribunal sensato me liberava na boa. Legítima defesa; direitos humanos; danos morais, materiais, espirituais… sei lá! O que não podia, era o desgraçado continuar vivo.
Passei uma noite inteira imaginando qual seria o melhor jeito de eliminar o sujeito. Pensei em usar uma faca, mas aí era preciso chegar muito perto e bem… o Libório não era tão fraquinho assim. Aliás, era bem forte, um atleta. Lembro até hoje a Márcia falando:
– Olha, o abdômen do Libório. Parece um tanque de lavar roupa e você aí com esse barrigão.
Enfim, tinha que ser algo que desse pra manter a distância e fosse letal o suficiente pra não dar nenhuma chance ao desgraçado. Foi então que cheguei à solução óbvia: um tiro! Um belo e certeiro tiro no meio da testa. Satisfação garantida ou o seu dinheiro de volta! Estava decidido. Eu mataria o Libório na base da bala.
Muito bem! Decisão principal acertada, era hora de partir para os detalhes. Não podia ser uma arma comum. Afinal, era com ela que se iniciaria a minha felicidade. Precisava ser algo especial; a minha alma tinha que estar dentro dela… Tomei uma decisão, eu mesmo faria a arma.
Falar a verdade, não foi tão difícil. Afinal, trabalhei em fundição por mais de cinco anos. Dureza foi achar material adequado, mas nada que um pouco de força de vontade e um ótimo motivo não resolvessem.
Optei por um modelo clássico, dois canos, daquelas em que se carregava a pólvora e ficava socando com uma varetinha. A desvantagem era que não podia errar. Senão, não dava tempo de carregar de novo. Não achei que isso chegasse a ser um problema, afinal… eu não estava com a menor intenção de errar. Além do mais, a vantagem era que cada tiro faria um buraco do tamanho de uma laranja. No caso do Libório, duas laranjas, uma do lado da outra.
Foram 23 dias na fundição, cuidando de cada detalhe, desde o acabamento, até a munição… balas de prata, por sinal. Se mata até lobisomem, não seria o Libório que ficaria de pé.
Chegou o grande dia. A Márcia estava trabalhando, a Zilda foi viajar, só ficou eu e o maldito… Eh, eh, eh!! Convidei o pulha pra ir até minha casa. Falei que a televisão do quarto estava com problemas. Foi como queijo na ratoeira: Libório não pode escutar um chiado, que já vem com a maletinha de ferramentas a tira colo. Não deu dez minutos e lá estava ele, com sua bat-maleta de mil e uma utilidades.
Não fui de muita conversa. Tinha que ser rápido. Se chegasse alguém poderia estragar tudo. Pedi para ele subir até o meu quarto. Ficava na parte de cima de um sobrado. Nem precisou falar duas vezes. Sem demora o cachorro foi subindo as escadas. Ainda teve tempo de soltar um último comentário:
– Ehhh, Nestor, mas você não sabe fazer nada sozinho mesmo, hein? O que tem a televisão? ?
Maldito, juro que se tivesse coma arma na mão, matava ele ali mesmo. Mais um pouquinho de paciência e tudo iria terminar:
– Ah, sei lá… tá estranha. Dá uma ligadinha pra você ver.
Beleza! De imediato, ele se virou para o aparelho e começou a testar os canais, tempo de sobra para eu pegar a arma na gaveta de cuecas.
– Me parece que tá tudo cert…--
Não deu nem tempo de ele completar a frase e eu já estava lá, com as pernas separadas, joelhos semi-flexionados, braços estendidos e a arma firme na mão. Tudo do jeitinho que estava escrito no manual que comprei especialmente para a ocasião.
– Nes… Nestor???! Meu Deus, mas o que foi???! Que brincadeira é essa???!
– Brincadeira é eu não ter pensado nisto antes, seu coisa imunda!!
– Mas, o que eu fiz??! Vamos convers…--
BAM BAM!!!!!!!
Nem esperei acabar de falar. Foram dois tiros, os dois no peito. O primeiro jogou o Libório perto da janela, o segundo fez com que ele atravessasse a janela, quebrando tudo.
Não sei se era a luz do sol, mas, enquanto ele caia, formou-se uma silhueta perfeita. Ela até parecia flutuar. Braços abertos, camisa esvoaçando, cacos estilhaçados pra todo lado. Incrível! Não me lembro de ter escutado som algum… Sabe no cinema? Quando só aparece a imagem, tipo câmera lenta…. A gente evita até respirar antes que a cena termine. Pois então, foi igualzinho. Pra completar, ele se espatifou bem em cima do próprio carro, um importado, vidro fume, uma lindeza. Bom… pelo menos era. Quando bateu, o capô afundou, todos os vidros quebraram e, pra fechar com chave de ouro, o alarme disparou.
Diante daquele escândalo, tratei de me apressar pra dar o fora dali o quanto antes. Ahhhh… mas não foi dar dois passos e o pé enroscou no tapete. Desequilibrei e bati com a cabeça no criado-mudo, justamente naquela quininha que parece ponta de faca. Puxa vida… se bobear, acho que morri primeiro que o Libório. Jorrou sangue pra todo lado.
Se me encontrei com o Libório depois da morte?? ?! Nããããooooo!! Digamos que… fomos para lugares diferentes.
Notícias eu tive sim. Fiquei sabendo que ele ganhou o troféu "Dessa pra melhor". É um prêmio que destaca as mortes mais espetaculares do ano. Homenageia aqueles que partiram "com estilo", se é que você me entende.
Inclusive, é um prêmio super-respeitado por aqui. É uma disputa entre o céu e o inferno, o "time" vencedor faz a maior festa e o realizador do feito é recebido com todas as honras. O Libório, por exemplo, recebeu o troféu das mãos do próprio Senhor com direito a hino divino e tudo mais.
Bom… nem preciso dizer que a minha mortezinha mixuruca virou motivo de piada. Também pudera:
– Morreu do quê?
– Bati a cabeça no criado criado-mudo.
Cá entre nós: Existe coisa mais ridícula?
Pior não é isso. Duro mesmo é agüentar aguentar o diabão falando na minha cabeça:
– Custava ter morrido igual o Libório? Se fosse igual ao Libório, o troféu era nosso!…